desço no elevador até à garagem, acendo a luz e ali está ela, a melhor coisa que tenho nos últimos meses, a minha mota, a minha perdição!
talvez ninguém entenda esta obsessão e muitos pensem que isto surgiu num estalar de dedos na minha vida mas tudo isto vem desde que me conheço.
na verdade não é fácil ver alguém que amamos e que nos é próximo paraplégico, não é fácil então saber que foi uma mota que o meteu nesse estado.
o meu tio é das pessoas que mais valorizo, vejo-o assim desde que me lembro de existir, ele ficou preso a uma cadeira de rodas mal terminou a adolescência e nada disso foi fácil para a minha família.
a minha mãe culpa-se ainda hoje e o meu pai (outro fanático por motas), acabou por vender a sua Kawasaki que hoje seria minha caso tudo isto não acontecesse.
confesso que pedi a Deus ou a quem me estivesse a ouvir algures que as motas saíssem da minha vida, ver o meu tio assim, ver acidentes a acontecerem a outras pessoas que estimo e ver noticias de desgraças pela televisão fazia com que pedisse constantemente que nunca me desse a ideia alguma vez de agarrar num motociclo.
fiz 21 anos e não aguentei, juntei alguns trocos e decidi dar o primeiro passo: inscrever-me na escola de condução. a ideia para os meus pais foi inconcebível e obviamente rejeitada e eu não posso negar, eu também estava com receio. nunca em 21 anos me sentei numa mota e tentei conduzi-la mas cada vez que me lembro das sensações que me corriam no corpo em miúda agarrada ao meu pai à pendura são as melhores memórias que guardo comigo até hoje.
disseram-me que isto não me estava no sangue, que era louca e quase imploravam por todos os lados para desistir; comprei a mota e insinuaram que nunca seria capaz de andar nela, que era muito larga, muito alta, demasiado perigosa e eu olhava para ela e achava a coisa mais perfeita que poderia ter comprado.
não posso dizer que foi simples, a primeira vez que me sentei nela estranhei, tombei com ela por três vezes por não conseguir aguentar-lhe com o peso, mal tocava com os pés no chão e aquele acelerador assustava-me de morte; eu mesma cheguei a pensar que não seria capaz e evitei tocar-lhe até ter a carta nas mãos, mas quando tive..
é indescritível: o vento no corpo, a liberdade, sentir o peito encostado ao depósito, as mãos a suar nas manetes numa mistura de medo com ansiedade, olhar para a minha sombra e orgulhar-me de estar em andamento, sentir o sangue a fervilhar, o coração a pulsar e o sorriso estampado no rosto por dentro do capacete.
desde que ela está na minha vida eu passei a acreditar em mim, a orgulhar-me, a salientar que nada é impossível. eu calei a boca de muita gente, fiz o meu tio ficar orgulhoso, o meu pai ficar admirado e a minha mãe a confiar na minha condução;
com ela ganhei novas amizades, novos conhecimentos; com ela todos os dias ganho sorrisos e até gargalhadas pela figura que alguns fazem na rua ao verem-me passar (sim, se eu me visse acho que também esfregaria os olhos duas vezes para ver se era realidade)!
foi graças a ela que passei a acreditar em amor à primeira vista, graças a ela que ganhei outra responsabilidade, outra forma de ver a vida e as coisas. ela já viu em mim os meus dias bons e os maus; já me viu sorrir, já me aparou as lágrimas, já me viu descontraída e também em pânico; ela já me sentiu tensa até lhe apertar os punhos mas também já me suportou o peso quando me deitei em cima dela. ela não é apenas um objecto ou um meio de transporte, ela é a parte de mim, do melhor de mim!
9 de setembro de 2016
1 de setembro de 2016
finalmente o fim da tarde chegara, agarrei na mota e saí de casa pronta para mais um treino. stress do trabalho em cima, a minha cabeça numa autêntica bomba relógio, o meu coração adormecido e o físico estourado.
mergulhei.
mergulhei não só na piscina como em mim mesma.
errei, errei desde o primeiro dia em que te respondi, errei a partir do momento em que defendi que tu nunca serias para mim o que és agora. conheci-te, confiei em ti, dei-te o meu abraço, a minha ajuda, o meu tempo e a minha constante preocupação e quando me comecei a apaixonar por cada pormenor teu quase que me afoguei em tanta ilusão, tanta palavra, tanta memória.
nado o mais depressa possível, exactamente à mesma velocidade com que te quero apagar de mim. sem dúvida é dos melhores treinos que fiz, nunca na vida me esforcei tanto dentro de água, nunca forcei tanto o coração a retroceder mas podes crer, nunca me custou tanto a respirar como hoje.
cada braçada que dou é um tormento, cada vez a custar mais, a pesar mais. está a pesar tanto quanto a minha consciência por ter acreditado em tanta coisa que não deveria. dou um último mergulho por fim, com esperança que te afogues, dentro de mim, como se nunca tivesses vindo à tona na minha vida.
mergulhei.
mergulhei não só na piscina como em mim mesma.
errei, errei desde o primeiro dia em que te respondi, errei a partir do momento em que defendi que tu nunca serias para mim o que és agora. conheci-te, confiei em ti, dei-te o meu abraço, a minha ajuda, o meu tempo e a minha constante preocupação e quando me comecei a apaixonar por cada pormenor teu quase que me afoguei em tanta ilusão, tanta palavra, tanta memória.
nado o mais depressa possível, exactamente à mesma velocidade com que te quero apagar de mim. sem dúvida é dos melhores treinos que fiz, nunca na vida me esforcei tanto dentro de água, nunca forcei tanto o coração a retroceder mas podes crer, nunca me custou tanto a respirar como hoje.
cada braçada que dou é um tormento, cada vez a custar mais, a pesar mais. está a pesar tanto quanto a minha consciência por ter acreditado em tanta coisa que não deveria. dou um último mergulho por fim, com esperança que te afogues, dentro de mim, como se nunca tivesses vindo à tona na minha vida.
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