29 de novembro de 2016

"Ela entra sem bater a porta e vai directo ao ponto: ou isto ou aquilo. Enquanto tu ficas dividido em cima do muro, ela dispensa os meio-termos: tem pavor de gente indecisa, de se esconder atrás de motivos, de venerar os rodeios. Se tu és labirinto, ela não brinca.
Ela caminha na tua direcção e tu sabes que é ela porque tremes. Tremes mesmo que ela esteja de ténis ou com um salto gigante, tremerias mesmo se ela estivesse descalça. Tu sentes peso e ela sente-se leve. Sente que tirou um peso grande das costas ou, se ainda não tirou, vai tirar em breve. A grande vantagem de ser directa é essa: não perder tempo com o que poderia ser. Ou é, ou não é. Não há 8 ou 80, e ela também não aceita um 40.
Há quem diga que a vida não é bem preto no preto e branco no branco, mas quem é que disse que tu precisas de definir as coisas assim? Ela é a prova viva de que tu podes colorir o mundo da forma que quiseres, desde que saibas como queres pintá-lo. E se ela depender de outra pessoa para o mundo dela ter cor, ela adianta-se e tira a prova dos nove sem deixar que alguém faça malabarismos com a vida dela. Porque mais tarde ou mais cedo o malabarismo cai, ela diz, e só quem pode equilibrar a sua vida é ela.
Se ela gosta, ela liga no dia seguinte. Se ela gosta mais ainda, ela vai para a cama e ai dele (ou de ti) se a criticares por ser decidida. Se lhe lançarem um piropo e ela não quiser, ela diz na cara e, amigo, é melhor saíres porque estás a incomodar. E tu vais perceber se ela gostar de ti ou não porque ela vai dizer com todas as letras que te quer – ou que não quer, se for o caso. Há quem goste e quem não goste disso. Pessoalmente, eu acho incrível a forma como ela lida com as vontades e se põe em primeiro lugar. Mas quem sou eu para achar alguma coisa, se ela sabe que a dona do mundo dela é… ela.
Uma vez perguntaram-lhe o porquê da pressa e ela disse que não é pressa, é que as pessoas se acostumaram muito a dar voltas e mais voltas quando tudo o que nós queremos sempre esteve ali na nossa frente. E depois que aprendeu isso, ela deixou de se importar com o que pensariam ou com o que ela mesma julgaria errado. O importante era não perder tempo para ser um pouco mais feliz. E então ela foi. Foi em linha reta e dizem por aí que ela tem sido muito mais feliz do que antes era, quando ainda colocava os outros, a culpa e um monte de obstáculos à frente dela."

(Source: Daniel Bovolento)

25 de novembro de 2016

corpo pesado, mente exausta, coração quebrado e pensamento a pedir demissão: é assim que chego ao fim do dia.
hoje é mais uma noite; mais uma em que as horas não passam, em que a lua se esconde e que as nuvens choram. sentada no chão da varanda de cotovelos nos joelhos, encosto o queixo na palma das mãos e tento disfarçar a insónia com cara de sono mas os olhos não fecham e a mente não se cala. a brisa gelada arrepia-me, as gotas salpicam-me a roupa e a escuridão abraça-me.
será mais uma madrugada agoniante, parada a ver a noite passar à minha frente; o telemóvel apenas está autorizado a passar o som da música que oiço enquanto tudo o resto está em silêncio para que não me incomodem ou eu não possa incomodar ninguém. viajo no espaço sem cálculo de volta, divagando perdida por memórias. 
de olhos inchados e cansados já não choro, pasmo em dor a olhar em frente como se a minha retina congelasse na tua imagem e passo toda a noite sem dormir a vê-la. esqueço-me de sentir enquanto penso e esqueço-me de pensar enquanto te vejo. 
preferia nunca te ter encontrado para nunca ter de te ver ir embora; preferia que nunca me falasses para nunca ter de ensurdecer com o teu silêncio. preferia dormir uma semana inteira sem sonhar do que sonhar acordada contigo a toda a hora.


24 de novembro de 2016

numa cidade há um milhão de pessoas, noutra outros milhões; algumas cidades são tão distantes que numa é verão e noutra é inverno.
em cada uma dessas cidades há pessoas a falar línguas diversas, percorrendo ruas distintas e a pensar em outras pessoas, talvez até noutras de alguma cidade diferente. quantas delas não cultivam dentro de si em segredo uma paixão distante? cada uma delas tem em torno de si inumeráveis olhos e vozes, uma rotina habitual, presenças físicas constantes e conhecidas mas há alguém noutra cidade que faz parte do seu pensamento tanto quanto o resto. eles não se telefonam mais, nem se escrevem.
escreviam em tempos textos que chegavam a vibrar no bolso e que aqueciam o coração.
textos que falavam em sentimentos mas que não sentem mais.
agora os dias passam de forma lenta e assustadora, enquanto as mãos de um gelam e as do outro por lá aquecem; o domingo já chegou mal chega a noite de sábado e lá vem de seguida a segunda a preparar para mais uma semana agoniante sem o tal vibrar habitual.
sim, haviam frases cheias de luz. mas a vida trai-nos e o coração também.
os astrónomos dizem que muitas vezes ficamos a observar as estrelas jurando pela sua existência, quando na verdade há séculos que elas já se apagaram na escuridão do caos. mas nunca importa a estrela e sim a luz que ela irradia.
então a pessoa não está ao nosso lado, não se vê a passar na rua, não se ouve ao longe, não se lhe toca no cabelo ou lhe agarra pelo corpo, não há presença física quente ao nosso lado mas sente-se calor dentro de nós na mesma. a pessoa vira fotografia no telemóvel, borboleta perdida dentro de nós, brisa que recebemos no rosto, ecos, sombras, memórias, algo que adoramos e queremos. mas ela não nos quer, não está aqui, não nos ouve, nem nos sente. ela vira poeira dolorosa que custa a limpar, voz a ecoar na mente que não se quer calar, pesadelo durante a noite quando já teria sido sonho, um fantasma que nos acompanha se for necessário para o resto da vida.
 (adaptado do texto de Rubem Braga)

10 de novembro de 2016

4h50. 
desperto sobressaltada pelo teu rosto à minha frente ouvindo a tua doce voz a gritar comigo (...) por favor deixa-me dormir!
levanto-me.
é mais um dia em que as horas custam a passar, mais um dia em que todos os minutos são passados a olhar para o telemóvel e a cada toque que se ouve o coração aperta e dói, dói porque não és tu. porque não há sinal de ti.
sorrio, com vontade de explodir; trabalho, com vontade de sair; falo com vontade de estar calada.
e finalmente termina o dia no local onde ainda me consigo abstrair para chegar a casa e perder-me em memórias de conversas nossas, em sorrisos ao telefone pelas divisões, em saudades que não sabia de onde vinham. então enraiveço, meto-me aos berros sozinha pela casa, a sentir os nervos a queimar pelas veias, o corpo trémulo e uma confusão tremenda na cabeça.
continua, porque está a resultar; 
continua, porque me vais perder;
continua, espero que te orgulhes.



9 de novembro de 2016

silêncio.
silêncio é o que há mesmo estando com a música a rebentar nos ouvidos, silêncio é o que há mesmo quando metade de mim grita porque metade de mim é o que oiço e outra metade é o que calo.
o silêncio incomoda porque é inexpressivo, ele incomoda porque é ensurdecedor, ele incomoda porque também fala.
o que é o silêncio senão ausência? e o que provoca o silêncio senão saudade? quantas palavras foram gastas até ele chegar? e o quanto somos egoístas por nos silenciar?
então sempre que houver silêncio, ouve-o! porque o silêncio também é uma resposta.
e calada num silêncio que reúne milhões de palavras e pensamentos aqui estou.
em silêncio que planeia coisas que não são compartilhadas, em silêncio que fala alto, em silêncio que me atira ao chão e faz tilintar constantemente o meu interior. silêncio que me corrói como um ácido pelos meus sentimentos; silêncio que se torna um analgésico, a cura para todos os males, o escudo para todas as flechas que vêm e virão.
silêncio, silêncio que sempre te odiei de todas as formas e feitios.
silêncio que me fizeste atirar para um poço onde eu nunca me atirei, um abismo de orgulho onde me afundo lentamente, um silêncio que me apagou a luz.
silêncio que me habituo a ti e me agarro com toda a força, silêncio que me protege de dizer o que não devo, silêncio que me estás a reconstruir mais fria, mais amarga, mais orgulhosa, mais eu.



estou sentada em frente ao mar, cigarro a queimar numa mão e na outra o telemóvel enquanto tento digitar..
hoje era o dia: o dia em que andava a planear agarrar no carro e meter-me a caminho, o dia em que todos os receios e dúvidas terminavam, o dia em que finalmente te olharia nos olhos.
olho para o vasto horizonte e tento alcançar o fim do oceano onde o céu e este se cruzam e imagino-te junto à costa à minha espera. mas tu não estás lá, nem eu estou a caminho.
hoje estou apenas eu e o som do mar, apenas eu na minha cidade, apenas eu divagando em mil e um pensamentos, apenas eu a queimar a mente contigo.
hoje marquei o encontro certo: o encontro entre as minhas lágrimas e o mar para que o seu sal se funda na perfeição, para que ele as consuma e lhes dê melhor proveito. 
as ondas vêm e vão assim como a tua falta. querem-me arrastar e que eu me afogue nelas mas eu não vou, eu não posso ir. afogar-me nelas era afogar-me a mim mais uma vez.
então apenas vou ficar aqui sentada em frente ao mar enquanto apago o cigarro na areia, enquanto oiço a maré em vez da tua voz, enquanto cheiro a brisa em vez do teu perfume, enquanto te esqueço em vez de te lembrar.